O chão revestido de pedras de varvito estava encharcado
de sangue.
O cheiro de morte impregnava o ar.
Os policiais, seguidos por um morador das imediações que
os avisou do fato, olharam perplexos para aquela cena tétrica.
Os pedaços da vítima estavam espalhados pelo beco.
O cafetão sempre ameaçou que um dia mataria a prostituta,
confirmou algumas colegas dela para os policiais, horas depois do crime. Mas
ninguém imaginava que o final seria aquele. Trágico, repugnante, fatal. Dava
nojo olhar. A cabeça da vítima, que havia sido desmembrada sem piedade, estava
há dois metros do corpo.
A polícia não podia fazer mais nada, a não ser preservar
o cadáver esquartejado, até que ele fosse removido dali.
Cena assustadora.
A história que seria contada e recontada durante anos
seguidos, havia se iniciado um ano antes daquele desfecho sangrento.
Era o ano de 1896.
Calixta Nogueira da Silva, era uma prostituta baiana, de
27 anos.
Havia chegado em Itu, em 1895, e se estabelecera como
prostituta.
Fazia ponto no famoso Beco do Inferno. O local, hoje
conhecido como Rua 15 de Novembro, ou “Becão”, era o maior antro de prostituição
da época. Por esse motivo recebera tal nome. Andava sempre com uma rosa
vermelha nas mãos. Era uma espécie de identificação pessoal sua.
Assim que a noite caía, o local ficava infestado de
prostitutas, de todas as raças, cores e idades.
O cardápio era variado, havia prostitutas para todos os
gostos. Gordas, magras, negras, brancas, de todos os jeitos.
Comerciantes, políticos, fazendeiros e até trabalhadores
braçais, frequentavam o local a noite, sempre a procura de novidades.
Naquela época, as ruas da cidade de Itu ainda não
possuíam energia elétrica. O serviço de iluminação pública era feito através de
lampiões, instalados em pontos estratégicos. Um único homem era encarregado de
acender os lampiões movidos a querosene, assim que a noite caía.
Mas, por volta das 22h30, a iluminação já começavam a
oscilar e quando era meia-noite, a cidade já estava completamente às escuras. O
lampião só iria desaparecer em dezembro de 1904, quando a cidade finalmente
passaria a ser iluminada por luz elétrica.
Naquele final de século, era muito arriscado perambular
sem rumo altas horas da madrugada.
Mas, as prostitutas do Beco do Inferno, se tinham medo, o
ignoravam, pois trabalhavam até quase o dia amanhecer em seus pontos. Sempre
esperando novos clientes.
Calixta, por ter uma bunda enorme como os homens
gostavam, e topar tudo, pelo valor certo,
sempre voltava para seu barraco nas primeiras horas da manhã, com algum
dinheiro no bolso. A prostituta da rosa vermelha era bastante requisitada.
Sua vida talvez tivesse tido um destino melhor, se não
fosse seu envolvimento com o cafetão Sebastião Pereira, um mulato forte, na
casa dos 40 anos, que “cuidava” de algumas meninas do Beco.
Em troca de uma suposta segurança e um quartinho imundo
para dormir, repleto de ratos e baratas, o cafetão, famoso por seus ímpetos de
violência, sempre ficava com a maior parte dos lucros, das almas que vendiam
seus corpos na rua.
Calixta havia sido acolhida por ele desde que chegara da
Bahia.
Como não era de se estranhar, acabou tendo um caso com o
cafetão, como tantas outras.
Encrenqueiro, brigão e alcoólatra, Sebastião o cafetão do
Beco do Inferno, não pensava duas vezes para “quebrar a cara” de suas
prostitutas, principalmente quando as estava violentando. Parecia sentir um
prazer sádico nesses atos.
Qualquer motivo banal era suficiente para ele provar sua
masculinidade e brutalidade em cima das meninas, mas a falta de dinheiro era o
maior deles.
Sempre que a noite era fraca, uma menina aparecia no dia
seguinte com os olhos inchados, boca cortada, e até queimaduras de cigarro.
Sebastião não entendia ou não fazia questão de entender
que nem sempre a noite era lucrativa.
Durante o ano que esteve em Itu, Calixta apanhou inúmeras
vezes do violento cafetão. Em uma das surras, acabou tendo um aborto, devido a
um chute violento que levou na barriga. Apenas um detalhe para o cafetão, que
segundo rumores, já havia matado vários escravos, no tempo em que caçava
fugitivos para os fazendeiros.
Ninguém nunca soube ao certo, por quais motivos a briga
entre ele e a prostituta baiana começou naquele setembro de 1896, mas todas as
meninas do Beco viram ela sendo esbofeteada na rua e sofrendo ameaças de morte.
Foi levada a tapas para dentro de um barraco.
Quem a viu naquela noite, apanhando como um cachorro,
sentiu que aquela seria a última vez que veriam a prostituta. E estavam certos.
Depois daquela noite, ninguém nunca mais iria ver a baiana de bunda grande
esperando seus clientes no beco da perdição.
Nunca mais.
Segundo relatos, pouco depois das quatro da manhã, daquela
noite, alguns vizinhos ouviram gritos assustadores no Beco do Inferno.
Muitas pessoas comentaram saber do fato de Sebastião
manter um afiadíssimo facão embaixo da cama. Mas dificilmente alguém imaginaria
que ele seria usado para aquele fim. Esquartejar uma pessoa.
Calixta apanhou muito na rua naquela noite. Tomou socos e
tapa na cara. Foi humilhada e entrou no velho barraco onde dormia, sob pontapés
e ameaças de morte.
Mais tarde, bem de madrugada, ela foi vista novamente
discutindo com o cafetão no mesmo Beco.
Foi a última vez que alguém a viu.
Na manhã seguinte, os policias só encontraram os pedaços
do cafetão espalhados pelo chão de Varvito do Beco e muito sangue, além de uma
garrafa vazia de pinga e uma linda rosa vermelha. A rosa que um dia enfeitou a
vida, agora enfeitava a morte.
Presume-se que a prostituta movida pelo ódio e desejo de
vingança de tantas surras, esquartejou seu cafetão até a morte, aproveitando-se
que o mesmo estaria bêbado.
Ela nunca foi encontrada para dar sua versão dos fatos.
Desapareceu antes que o dia clareasse para nunca mais voltar.
E da boca de Sebastião, ninguém jamais iria saber
absolutamente nada.
Afinal... mortos não falam.