terça-feira, 28 de agosto de 2007

O CRIME DO BECO DO INFERNO

 
O chão revestido de pedras de varvito estava encharcado de sangue.
O cheiro de morte impregnava o ar.
Os policiais, seguidos por um morador das imediações que os avisou do fato, olharam perplexos para aquela cena tétrica.
Os pedaços da vítima estavam espalhados pelo beco.
O cafetão sempre ameaçou que um dia mataria a prostituta, confirmou algumas colegas dela para os policiais, horas depois do crime. Mas ninguém imaginava que o final seria aquele. Trágico, repugnante, fatal. Dava nojo olhar. A cabeça da vítima, que havia sido desmembrada sem piedade, estava há dois metros do corpo.
A polícia não podia fazer mais nada, a não ser preservar o cadáver esquartejado, até que ele fosse removido dali.
Cena assustadora.
A história que seria contada e recontada durante anos seguidos, havia se iniciado um ano antes daquele desfecho sangrento.
Era o ano de 1896.
Calixta Nogueira da Silva, era uma prostituta baiana, de 27 anos.
Havia chegado em Itu, em 1895, e se estabelecera como prostituta.
Fazia ponto no famoso Beco do Inferno. O local, hoje conhecido como Rua 15 de Novembro, ou “Becão”, era o maior antro de prostituição da época. Por esse motivo recebera tal nome. Andava sempre com uma rosa vermelha nas mãos. Era uma espécie de identificação pessoal sua.
Assim que a noite caía, o local ficava infestado de prostitutas, de todas as raças, cores e idades.
O cardápio era variado, havia prostitutas para todos os gostos. Gordas, magras, negras, brancas, de todos os jeitos.
Comerciantes, políticos, fazendeiros e até trabalhadores braçais, frequentavam o local a noite, sempre a procura de novidades.
Naquela época, as ruas da cidade de Itu ainda não possuíam energia elétrica. O serviço de iluminação pública era feito através de lampiões, instalados em pontos estratégicos. Um único homem era encarregado de acender os lampiões movidos a querosene, assim que a noite caía.
Mas, por volta das 22h30, a iluminação já começavam a oscilar e quando era meia-noite, a cidade já estava completamente às escuras. O lampião só iria desaparecer em dezembro de 1904, quando a cidade finalmente passaria a ser iluminada por luz elétrica.
Naquele final de século, era muito arriscado perambular sem rumo altas horas da madrugada.
Mas, as prostitutas do Beco do Inferno, se tinham medo, o ignoravam, pois trabalhavam até quase o dia amanhecer em seus pontos. Sempre esperando novos clientes.
Calixta, por ter uma bunda enorme como os homens gostavam, e topar tudo, pelo valor certo,  sempre voltava para seu barraco nas primeiras horas da manhã, com algum dinheiro no bolso. A prostituta da rosa vermelha era bastante requisitada.
Sua vida talvez tivesse tido um destino melhor, se não fosse seu envolvimento com o cafetão Sebastião Pereira, um mulato forte, na casa dos 40 anos, que “cuidava” de algumas meninas do Beco.
Em troca de uma suposta segurança e um quartinho imundo para dormir, repleto de ratos e baratas, o cafetão, famoso por seus ímpetos de violência, sempre ficava com a maior parte dos lucros, das almas que vendiam seus corpos na rua.
Calixta havia sido acolhida por ele desde que chegara da Bahia.
Como não era de se estranhar, acabou tendo um caso com o cafetão, como tantas outras.
Encrenqueiro, brigão e alcoólatra, Sebastião o cafetão do Beco do Inferno, não pensava duas vezes para “quebrar a cara” de suas prostitutas, principalmente quando as estava violentando. Parecia sentir um prazer sádico nesses atos.
Qualquer motivo banal era suficiente para ele provar sua masculinidade e brutalidade em cima das meninas, mas a falta de dinheiro era o maior deles.
Sempre que a noite era fraca, uma menina aparecia no dia seguinte com os olhos inchados, boca cortada, e até queimaduras de cigarro.
Sebastião não entendia ou não fazia questão de entender que nem sempre a noite era lucrativa.
Durante o ano que esteve em Itu, Calixta apanhou inúmeras vezes do violento cafetão. Em uma das surras, acabou tendo um aborto, devido a um chute violento que levou na barriga. Apenas um detalhe para o cafetão, que segundo rumores, já havia matado vários escravos, no tempo em que caçava fugitivos para os fazendeiros.
Ninguém nunca soube ao certo, por quais motivos a briga entre ele e a prostituta baiana começou naquele setembro de 1896, mas todas as meninas do Beco viram ela sendo esbofeteada na rua e sofrendo ameaças de morte. Foi levada a tapas para dentro de um barraco.
Quem a viu naquela noite, apanhando como um cachorro, sentiu que aquela seria a última vez que veriam a prostituta. E estavam certos. Depois daquela noite, ninguém nunca mais iria ver a baiana de bunda grande esperando seus clientes no beco da perdição.
Nunca mais.
Segundo relatos, pouco depois das quatro da manhã, daquela noite, alguns vizinhos ouviram gritos assustadores no Beco do Inferno.
Muitas pessoas comentaram saber do fato de Sebastião manter um afiadíssimo facão embaixo da cama. Mas dificilmente alguém imaginaria que ele seria usado para aquele fim. Esquartejar uma pessoa.
Calixta apanhou muito na rua naquela noite. Tomou socos e tapa na cara. Foi humilhada e entrou no velho barraco onde dormia, sob pontapés e ameaças de morte.
Mais tarde, bem de madrugada, ela foi vista novamente discutindo com o cafetão no mesmo Beco.
Foi a última vez que alguém a viu.
Na manhã seguinte, os policias só encontraram os pedaços do cafetão espalhados pelo chão de Varvito do Beco e muito sangue, além de uma garrafa vazia de pinga e uma linda rosa vermelha. A rosa que um dia enfeitou a vida, agora enfeitava a morte.
Presume-se que a prostituta movida pelo ódio e desejo de vingança de tantas surras, esquartejou seu cafetão até a morte, aproveitando-se que o mesmo estaria bêbado.
Ela nunca foi encontrada para dar sua versão dos fatos. Desapareceu antes que o dia clareasse para nunca mais voltar.
E da boca de Sebastião, ninguém jamais iria saber absolutamente nada.
Afinal... mortos não falam.