Foi em fevereiro de 1879.
Faltavam nove anos para a da escravidão terminar no
Brasil.
Era muito comum ver na cidade de Itu (assim como no resto
do país) escravos com dedos amputados, orelhas mutiladas, olhos furados, rostos
rasgados por navalhas, costas marcadas por ferro quente e chicotadas e até
mesmo escravos castrados, como se fossem animais. Esse requinte de crueldade, era
uma cortesia dos “senhores proprietários de escravos”, gente de bem, religiosa
e pais de famílias exemplares. Mas, que em hipótese alguma, hesitavam em mandar
torturar, mutilar e matar seus escravos, se julgassem que esses merecessem.
Provavelmente por não aguentar mais os maus tratos, um
jovem escravo de 30 anos, chamado Nazário, decidiu se vingar dos seus patrões.
Mas, não seria uma simples vingança. Não, para aplacar
sua sede de sangue, uma morte apenas não seria suficiente. Ele precisava
cometer uma chacina. Nazário era natural da Província de Minas Gerais e havia
sido vendido há pouco tempo para o médico ituano Dr. João Dias Ferraz.
Ele não se adaptou ao seu novo dono.
O escravo tinha um plano.
Um plano sinistro e aterrador, que iria tornar-se um dos crimes
mais polêmicos da época.
Na casa em que Nazário vivia, morava uma tradicional
família ituana, composta por cinco pessoas, sendo o médico Ferraz, sua esposa e
seus filhos.
Nazário, negro forte e grande, segundo os historiadores,
afiou um enorme machado e em um fatídico dia daquele mês de fevereiro de 1879,
entrou na casa, enquanto todos dormiam.
Não é difícil imaginar o olhar assassino que ele tinha,
quando percorreu a casa com o afiadíssimo machado em punho.
Os pés descalços, o corpo suado, o ódio estampado na
face. Alheio ao perigo, o médico dormia tranquilamente com sua esposa e seus
filhos.
Ninguém sabe dizer o quanto aquela família gritou
implorando por clemência, quando Nazário começou a matança. Gritos, súplicas,
orações, nada adiantou. A família inteira foi trucidada a machadadas.
O sangue jorrou pelas paredes, manchou os lençóis e
respingou o chão. O cheiro de morte pairava no ar.
Nazário matou todos. Um a um. Com requintes de crueldade.
Após a matança explícita, ele limpou o corpo encharcado de
sangue, pegou algum dinheiro, trocou de roupas e saiu tranquilamente da casa.
Precisava fechar seu ato com chave de ouro. Desafiando as autoridades e toda a
população, Nazário se dirigiu até uma “Venda” no largo da Matriz, onde bebeu
pinga e comprou fumo.
Em seguida foi até a cadeia e confessou o crime que
acabara de cometer.
Os jornais da época descreviam esse último gesto
utilizando-se de todos os detalhes do crime. Isso provocou uma comoção geral na
população e alguns dias depois desse crime que abalou Itu, mais de 200 pessoas,
na maioria pais exemplares e donas de casa, invadiram a cadeia, na época,
localizada na Praça do Carmo.
Nazário nunca chegou a ser julgado legalmente. Foi
julgado e condenado pela própria população.
Tão indefeso quanto suas vítimas, o escravo foi
violentamente espancado e apedrejado até a morte por uma multidão querendo
vingança, na frente da própria polícia, que assistia a tudo, na maior
complacência do mundo.
Após o linchamento, aquelas “pessoas decentes” arrastaram
o cadáver trucidado de Nazário pelas ruas do Centro de Itu, como se fosse um
troféu. Um prêmio mórbido e bizarro por um brutal assassinato.
Mas, a história não parou ali. O crime praticado por
aquele escravo gerou o que os historiadores batizaram de “Efeito Nazário”. Em
todas as cidades da região, vários escravos começaram a se rebelar e matar seus
patrões com requintes de crueldade.
Enquanto muitos “senhores” iam para a cama aterrorizados,
olhando para cada sombra que se movesse, muitos escravos estavam ao relento, iluminados
pela lua e munindo-se de foices, enxadas, facões e machados.
Ainda faltavam nove anos para a escravidão terminar, mas
a matança... estava só começando.